Estética, hype e moda no hip hop
A estética
Muitos animais se exibem esteticamente para acasalar: o pavão, com seu rabo, o tristão, com seu moicano. Nos leões, a juba mais escura é sinal de força, porque, quando perde uma luta, o macho perde a juba e, quando ela cresce, fica mais clara. As leoas, então, escolhem os machos de jubas mais escuras. O macho fragata infla seu saco gular que é bem colorido e peludo, ficando atá 30 vezes maior que seu tamanho natural pra chamar a atenção das fêmeas… A estética, além de social, é instinto. Nas culturas e abordagens não-ocidentais a estética não se trata apenas de status, mas também de identidade e ancestralidade. No jazz, no soul, no funk e no disco, os negros chegaram usando a estética de forma inovadora.
Três coisas pra se expressar: a voz, o corpo e a estética
Nos anos 70, o Bronx, em Nova York, sofria miséria e onda de drogas (pesquise sobre guerra às drogas). Havia muita brutalidade policial e o efeito foi devastador! Em meio a esse pique todo nasceram as gangues, que se dividiam por ruas e eram muito violentas. Cada uma contava com sua própria identidade visual: os integrantes usavam e customizavam jaquetas de motoqueiro, coletes jeans personalizados com o nome das gangues, jeans pretos, tudo feito a mão e enfeitado com patches.
No ápice das gangues a coisa ficou muito feia e os bairros estavam em guerra, até que o Black Benji, pacificador da Gangue Ghetto Brothers (que é a referência do nome da dupla Domenica Dias e Jorge Dias, filhos de Eliane Dias e Mano Brown) foi pedir paz em uma situação com uma gangue rival e foi morto a pancadas.
Muito tristes e em homenagem ao amigo, em vez de retaliar como as gangues normalmente faziam, eles organizaram uma reunião em prol da paz com os líderes das gangues e fizeram um acordo que funcionou por um tempo e fez a atmosfera local mudar.
Agora, em vez de lutarem com os punhos, eles lutavam com as palavras. A rima era a nova arma e agora não eram mais gangues, eram crews que estampavam seus nomes nos moletons, começaram a dançar. Daí surgiu o estilo característico dos bboys e bgirls, os grafites, DJs, MCs, dando início a um dos ritmos mais influentes esteticamente e musicalmente hoje no mundo.
A cultura hip hop tem uma relação especial com a moda
O hip hop florescia no Bronx e, como todo ritmo, ele desenvolvia sua identidade visual. No começo, tinha influência de Disco music, Rick James, botas de cano alto, casaco de peles, roupas apertadas, chockers… Na teoria não existia o Street Wear, e o som também era diferente, feito em cima de R&Bs e baladas, com músicas muito mais produzidas com instrumentos e bandas.
Surgem os Lo-Lifes colecionadores de Polo by Ralph Lauren
Em meados dos anos 80, em Nova York, nasce uma banca revolucionadora de "boosters" formada por duas crews do Brooklyn. Esses caras iam nas lojas de roupas de alto padrão que jamais poderiam comprar, de marcas que socialmente não conversariam com eles como, Benetton, Guess, Tommy Hilfiger e principalmente Ralph Lauren, onde roubavam na mão leve ou na de pegar tudo e sair correndo até a estação de trem mesmo. Os caras eram obcecados em ter a maior e mais rara coleção de peças e acessórios Polo e pra colar com os caras era polo da cabeça aos pés, até a cueca eles checavam. É por causa dos lo-lifes que todos os rappers e atores famosos começaram a usar que os fãs adotaram a moda.
Dapper Dan, a lenda do hip hop e ícone na moda, revoluciona sampleando as grandes marcas
Em 82, Dapper Dan abre sua butique 24h vendendo peças com logomania de marcas como Gucci e Louis Vuiton com moldes exclusivos, deixando as roupas "mais negras" como ele diz, criando assim clandestinamente a "street wear" que nem existia ainda. O cara fazia as collabs mais loucas, como tênis New Balance da Gucci, e até forrava bancos de carros dos cafetões e MCs com logos das marcas de alta costura com a mesma qualidade ou até melhor. Sinal de que você tinha se dado bem era portar as criações de Dap! Ele começou vendendo pra bandidos e depois conquistou os rappers mais famosos e relevantes! Dapper Dan criou as roupas mais icônicas, vestiu e ainda veste os maiores astros do hip hop.
No fim de 83, o RUN DMC inova e lança "Sucker MCs", um som pesado e seco em cima de scratchs. Com seus tracksuits da Adidas, chapéus Kangol e Superstar sem cadarço, mudaram a estética do hip hop e o visual virou o uniforme das quebradas.
Em 85, Doug E. Fresh e Slick Rick lançam a música La Di Da Di, um som feito em cima do Beatbox do pioneiro Doug E Fresh, tanto na estética quanto no som. O jogo começa a mudar quando Slick Rick descreve a sua roupa muito antes de ser moda citar marcas nos raps falando de seus Ballys:
"Threw on the Bally shoes and the fly green socks
Stepped out my house stopped short, oh no
I went back in, I forgot my Kangol"
("Coloquei meus sapatos Bally e as meias verdes descoladas
Pisei fora da minha casa e parei, oh não!
Eu voltei pra dentro eu esqueci meu Kangol")
Na capa do primeiro álbum, ele aparece de Ballys vermelhos e seu estilo influencia Rakim e vários outros rappers que viriam depois.
Big Daddy Kane lança seu corte de cabelo icônico
Em 86, Russell percebeu que o Run DMC estava vendendo muitos tênis pra Adidas e pensou que nada mais justo do que ganharem dinheiro com isso, então sugeriu que o Run DMC fizesse a música "My Adidas" e chamou representantes da marca para o show do grupo. Lá ele pediu para que as pessoas que estivessem de Adidas levantassem o tênis para o ar, numa plateia de quase 20 mil pessoas. E a maioria delas levantou seus tênis! Os representantes da marca resolveram dar um contrato pra eles, que viraram a primeira entidade não-esportiva a receber patrocínio de uma marca de esporte.
Em 87, RAKIM e Eric B lançam Paid in Full com a capa icônica vestindo a jaqueta do Dapper Dan e muito ouro:
Em 89, Cross Collors cria o Baggy Jeans. Antes disso todo mundo usava a calça três números maiores:
Em 1992, KRISS KROSS começa a usar roupas ao contrário nos vídeos e a moda pega!
Em 1992, a loja de Dapper Dan é fechada por processos da Fila e da Gucci por uso de seus logos. Mais tarde, a Gucci o plagiaria.
Em 1993, o Wu Tang torna os Clarks Wallabee relevantes nas ruas:
Em 1994, Snoop aparece no Saturday Night Live com a blusa da Tommy Hilfiger criando ali um relacionamento da marca com o hip hop. A partir dali, Aliyah e Usher fizeram propagandas da grife.
Da Brat também representava e fazia todas as mina querer ser tomboy:
Nos anos 90, Will Smith estreia a série "Um Maluco no Pedaço" e usa Cross Collors em vários episódios.
Também nos anos 90, LL COOL J lança o clipe Hey Lover em que usa a calça com uma perna levantada, Whitney Houston diz que ele se inspirou no Bobby Brown e ele diz que Bobby Brown se inspirou nele…
BIG arrasava com seu Sweater da Coogi Down e óculos Versace:
Tupac usava a bandana com o laço pra frente:
Alliyah e seu look tomboy delicado:
TLC com os looks tomboys mais incríveis:
Lil' Kim era dona do lugar com seus looks de bad bitch:
Mary J Blige usava camisas de basebol e montava looks como ninguém:
Missy Elliot sempre original e à frente do tempo:
Em 1996, Ghostface Killah lança "Iron Man" com a capa cheia de clarks:
Fim dos anos 90 e o DMX sempre de regata branca e Baggys, o famoso pitbullzado!
Em 1999, Memphis Bleek influencia usando boné em cima da Du Rag:
Pharrell e os moletons estampados da Bape…
Anos 2000 e…
Dipset era a mob mais foda na moda
Nelly lança tendência com o curativo na cara:
Em 2002, a Burberry recusou a solicitação da estilista de Ja Rule, Rachel Johnson, para algumas peças para uma sessão de fotos de promoção de seu álbum que foi triplo platina e indicado ao Grammy, "Pain is Love". Segundo Rachel, a marca não queria que ele usasse. Sua estilista comprou do mesmo jeito e, assim como ele, os fãs também começaram a usar em peso. Meses depois, a grife enviou uma carta de agradecimento a Ja Rule. Hoje eles já vestiram Nicki Minaj, Beyonce, Stormzy e vaaários rappers!
Em 2004, Camron usa a roupa icônica de pele rosa:
Em 2005, Dem Franchize Boys lançam as camisetas super largas:
Em 2006, Kanye West e óculos Alain Mikli:
Em 2006 surge a Hood By Air, marca foda "ghetto gótica boujee" de Shayne Oliver que graças a Jah será relançada para a nossa alegria!
Em 2009, Odd Future e os bonés da Supreme:
Em 2011, A$AP Rocky Lança "Live. Love. A$AP"
E de repente todo mundo começa a usar camisa xadrez…
Em 2015, Kanye West lança o primeiro Yeezy:
A Clarks finalmente colabora com Wu-Tang em 2018
Dapper Dan foi processado e depois copiado pela Gucci!
Em 89, Dapper Dan criou para a atleta olímpica Diane Dixon uma jaqueta bufante com estampas da Louis V que foi copiada em 2017 no desfile Cruise da Gucci! Alessandro Michele, o diretor criativo, afirmou que era uma homenagem a Dapper Dan. Toda repercussão, com documentários e matérias destacando a história do estilista, voltou novamente os olhos para Dapper e, finalmente, rendeu-lhe reconhecimento merecido.
Todo esse rolê também fez com que a Gucci reabrisse junto com ele seu ateliê, vai!!!
Antes recusados, agora recusando!
Antigamente, a postura da Burberry era muito comum entre as marcas de luxo, que não queriam ver os rappers usando suas roupas. Agora, meu amigo, eles estão cientes que se não nos incluírem nos catálogos, não terão lugar no mercado no futuro. Estudos apontam que o novo consumidor de luxo, Millennials e Gen Z serão responsáveis por 45% do mercado mundial de artigos pessoais até 2025. Aos poucos as marcas estão entendendo que, se eles não se comunicarem autenticamente com os rappers, elas só têm a perder, até porque quem ganha alguma coisa com o racismo, não é verdade? Só se perde! Esse encontro das marcas de luxo com o hip hop foi primordial na construção do conceito de hype que temos hoje. Todo esse rolê levou às collabs de marcas esportivas ou independentes com marcas de alta costura e desse conceito nasceram várias marcas como Supreme e Palace. Uma de nossas collabs preferidas é da Polo Ralph Lauren com a Palace. AFF!
Hoje temos na Louis Vuitton o primeiro negro a comandar uma grande marca de luxo, o estilista Virgil Abloh, cria do hip hop e dono de uma das marcas mais influentes atualmente, a OFF WHITE:
Atualmente no hip hop temos várias narrativas estéticas, pra quem quiser, de rapper emo a trap punk! Estamos seguindo com o nosso legado e impondo nossa individualidade cada vez mais. Que assim seja!
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